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Equilíbrio Hidrostático

Mesmo para a estrela mais bem estudada só podemos medir 4 parâmetros: massa, luminosidade, raio e composição química das camadas externas. Podemos determinar a estrutura da estrela com estes parâmetros, porque dispomos de mais uma condição: a constância das estrelas por longos períodos de tempo. Mesmo as estrelas variáveis apresentam estabilidade da estrutura média por longos tempos. A existência de algas fósseis na Terra com mais de 1 bilhão de anos e fósseis de até 3,5 bilhões de anos, são evidência de que a temperatura da Terra não pode ter mudado mais que aproximadamente 20°C. Portanto, o interior das estrelas precisa estar em perfeito equilíbrio.

irradiacao
Irradiação solar (constante solar) medida nos últimos anos através de satélites.

Construiremos um conjunto de condições que precisam ser cumpridas em todas as camadas das estrelas. Ignoraremos perturbações como rotação, pulsação, distorção por forças de maré e campos magnéticos de larga escala. Consequentemente, podemos assumir simetria esférica.

A primeira condição que precisa ser cumprida pelo interior estelar é a condição de equilíbrio hidrostático (mecânico): todas as forças atuando em qualquer elemento de volume dentro da estrela têm que ser compensadas exatamente, já que uma força resultante não nula implicaria movimentos e, portanto, mudanças na estrutura. As únicas forças que precisamos considerar são a força gravitacional, para dentro, e a força de pressão, para fora.

dPdr Vamos considerar um elemento de volume cilíndrico, a uma distância r do centro da estrela, com seu eixo na direção do centro, com uma seção transversal ds e um comprimento dr. A força de pressão atuando sobre este elemento, isto é, a diferença entre a força de pressão na parede interna e a força de pressão na parede externa, é dada por:

-\frac{dP}{dr}dsdr
onde P é a pressão, que será uma função, monotonicamente decrescente, da distância r ao centro. A força gravitacional atuando sobre o mesmo volume será dada pela massa do volume, vezes a aceleração gravitacional, isto é:
\rho ds dr\frac{GM_r}{r^2}
onde $ \rho$ é a densidade e G é a constante gravitacional. Expressamos a aceleração gravitacional em termos de Mr, que significa a massa em uma esfera de raio r e pode ser expressa em termos da densidade como:
$M_r = \int_0^r \rho 4 \pi r^2 dr$ (1.23)
Esta equação é chamada de equação da massa, ou equação da continuidade. Lembramos que a força exercida pelas camadas externas é nula. Igualando as duas forças opostas, obtemos a condição de equilíbrio hidrostático:
$\frac{dP}{dr}=-\rho \frac{GM_r}{r^2}$ (1.24)
Ou caso não haja simetria esférica
$\vec{\nabla}P + \rho \vec{\nabla}\phi=0$
onde $ \phi$ é o potencial gravitacional.

Se a pressão de radiação for importante, esta equação precisa incluir o momentum transferido pelo campo de radiação à matéria

$\frac{dP}{dr}=-\rho \frac{GM_r}{r^2} + \frac{1}{c}\int_0^\infty \kappa(\lambda)F(\lambda)d\lambda}$
onde κ é o coeficiente de absorção, que descreve a probabilidade de que um fóton será ou absorvido ou espalhado, e F é o fluxo de energia transportado por radiação por unidade de área. Mas este termo pode ser simplesmente incluído na pressão total.

Em unidades do sistema c.g.s., a gravidade de uma estrela de massa M em um ponto r é dada por:

$g(r)=\frac{GM_r}{r^2}=2,74 \times 10^4 (\frac{M_r}{M_\odot})
(\frac{r}{R_\odot})^{-2}~{cm s^{-2}$
As equações (1.23) e (1.24) são as duas primeiras das equações que governam a estrutura estelar. Sozinhas elas são claramente insuficientes para determinar com unicidade como a pressão, densidade e massa variam com a distância ao centro da estrela. Mas elas permitem obter uma estimativa da ordem de grandeza da pressão e temperatura que vamos encontrar. Vamos aplicar a equação de equilíbrio hidrostático (1.24) para um ponto no meio do Sol. Podemos usar, para uma primeira estimativa, a densidade média do Sol
$\overline{\rho_\odot}=\frac{3 M_\odot}{4\pi {R_{\odot}}^3}= 1,39 g cm^{-3}$
para $ M_r= (1/2)M_\odot$, a metade da massa do Sol, $M_\odot = 1,989 \times 10^{33} g$, e para $ r=(1/2)R_\odot$ a metade do raio do Sol, $ R_\odot= 696 000 km$. Além disto, para o lado esquerdo da equação (1.24), podemos usar $ dr=R_\odot$, para $ dP=P_{centro}-P_{superf}$, e assumirmos $ P_{superf}\ll P_{centro}$. Usando G=6,67 × 108 dina cm-2 g-2, obtemos:
\frac{P_{centro}}{R_\odot}=\frac{GM_\odot/2}{R_\odot^2/4}\overline{\rho_\odot}$
$P_{centro}^\odot \approx 2 \overline{\rho_\odot}\frac{GM_\odot}{R_\odot} =
5,3 \times 10^{15} dina cm^{-2}$
usando unidades c.g.s (cm grama seg). Como 1 N/m2=10 dina/cm2, PcentroSol=5,3 × 1014 N/m2, no sistema mks (metro kg seg).

Desta estimativa de pressão, podemos imediatamente estimar a temperatura, se usarmos a equação de estado de um gás ideal, que, como demonstraremos depois, é valida para a maioria das estrelas. A equação do gás ideal pode ser escrita como

$P = NkT = \frac{k}{m}\rho T$ (1.25)
onde $ T$ é a temperatura, $ k$ a constante de Boltzmann, e $ m$ o peso molecular médio, já que $ N=\rho/m$. Para $ m$ podemos usar a metade da massa do próton, já que o hidrogênio é o elemento mais abundante, e para hidrogênio ionizado, um próton e um elétron atuam como duas partículas com massa média de meia massa do próton já que $m_e\ll m_p$.

Para o caso geral,

$P = P_{gas} + P_{rad}$
isto é, precisamos levar em conta a pressão do gás e a pressão de radiação, mas no interior de estrelas de baixa massa, como o Sol,
$P_{rad}\ll P_{gas}$
e podemos desprezá-la. Aplicando para a pressão central do Sol, ainda usando a densidade média do Sol, obtemos:
T_{centro}^{\odot} \approx 10^7 K
Isto é, encontramos uma temperatura típica no interior do Sol de 10 milhões de graus Kelvin.

Podemos agora estimar a pressão de radiação

Prad=(1/3)aT4 = 2,5 × 10-15 erg cm-3K-4× 1028K4=2,5 × 1013 dina/cm2
ou seja, Pgás > 100 Prad para o Sol.

Com estas estimativas podemos ver o cenário que temos que trabalhar. A esta temperatura, o máximo da função de Planck está em 2,9 Å, muito mais energético do que os 912 Å de comprimento de onda mínimo para a ionização do hidrogênio. Os gases estão muito quentes para conter qualquer composto químico, e quentes o suficiente para estarem altamente ionizados. Não precisamos portanto considerar a física complexa de sólidos e líquidos. O hidrogênio e o hélio, principais constituintes, estão completamente ionizados, e aparecerão como prótons, elétrons, e partículas $ \alpha$.

Antes de assumir estrita obediência ao equilíbrio hidrostático, vamos estimar qual é o custo da não obediência. Vamos assumir que em algum lugar da estrela a aceleração gravitacional não é estritamente balançada pela força de pressão, deixando uma fração $f$ não balançada. O material então será acelerado por uma quantia:

$\frac{d^2 r}{dt^2}=f\frac{GM_r}{r^2}.$
Podemos resolver esta equação para o valor de $ dt$ em que a aceleração não balançada causa um deslocamento $dr=f R_\odot$. Assumindo um movimento retilíneo uniformemente acelerado,
$dr=\frac{1}{2}\frac{d^2 r}{dt^2}dt^2 \equiv f R_\odot.$
Logo, para o ponto no meio do Sol:
$\tau_{din}\equiv dt \approx \left(G\frac{M_\odot}{R_\odot^3}\right)^{-\frac{1}{2}}$
{\tau_{din}\equiv \frac{1}{(G\bar{\rho})^{\frac{1}{2}}}}$
\tau_{din}^\odot\approx =10^3\,{\rm s} =\frac{1}{4}\,{\rm hr}$
Isto é, qualquer desequilíbrio da condição de equilíbrio hidrostático causa deslocamentos grandes e rápidos. Este tempo é chamado de tempo de queda livre, ou tempo dinâmico. Portanto, uma falta de equilíbrio leva a mudanças significativas no raio da estrela. Como o raio do Sol não mudou significativamente durante bilhões de anos, ou a temperatura na Terra teria variado, a equação de equilíbrio hidrostático é satisfeita com alta precisão.


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Modificada em 30 set 2008