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Equilíbrio Radiativo no Interior Estelar

A solução da equação (1.36) para o campo de radiação representa um dos principais problemas na teoria de atmosferas estelares. Para o interior estelar, o problema é simplificado pelo fato do campo ser quase isotrópico. Ao invés de trabalharmos com a intensidade $ I$, que representa a distribuição de radiação para cada direção, vamos considerar os três primeiros momentos da distribuição, a densidade de energia $ u(r) \equiv E(r)$, o fluxo da radiação --> $ F(r) \equiv H(r)$, e a pressão de radiação $ P_R(r)$.
Por definição, a intensidade é a energia que atravessa a superfície, na direção $ \theta$, por unidade de área, por unidade de tempo, por unidade de ângulo sólido. O fluxo é a energia, por unidade de área, por unidade de tempo, em todas as direções:

$F(r)\equiv H(r) = \int I \cos\theta dw.$ (1.37)

A densidade de energia, ou energia por unidade de volume, pode ser derivada notando-se que, se F for a quantidade de energia cruzando a área $ dA$, em uma direção $ \theta$, por unidade de tempo, em um segundo, a radiação F ocupará um volume $ c cm^3$. Então, a energia por unidade de volume, será dada por:
$\displaystyle u(r)\equiv E(r) = \frac{F dA d\ell}{c \cos\theta dA d\ell} = \frac{1}{c} \int I dw.$ (1.38)

Sabemos que a energia cruzando a área $ dA$ é $ I\cos\theta dA dw\,dt$. O número de fótons é dado pela energia total dividida pela energia de cada fóton, $ h\nu$. Como o momentum de cada fóton é dado por $ p=h\nu/c$, a pressão transferida para a área normal a direção $ \cos\theta dA$, será dada por
P_R(r) (1.39)

para dA' e dt unitários.

Integrando (1.36) sobre o elemento de ângulo sólido $ dw$, obtemos:

$\frac{\partial}{\partial r} \int I \cos\theta dw -\frac{1}{r}\int...}sen \theta dw + K\rho \int Idw - \frac{j\rho}{4\pi}\int dw = 0.$
Usando-se a definição (1.37) e (1.38), e notando que o segundo termo pode ser escrito como:
$\int dw \frac{\partial I}{\partial \theta} sen \theta$ = $\int_0^{2\pi}\,d\phi \int_0^\pi sen\theta\, d\theta\,\frac{\partial I}{\partial \theta} \mathrm{sen}\, \theta$  
  = $2\pi\left(I sen^2\theta\bracevert_0^\pi -2 \int_0^\pi I sen\theta\,\cos\theta d\theta )$  
  $=$ $-2 \int_0^\pi I \cos\theta (2\pi sen\theta d\theta)$  
  = $-2 \int I\cos\theta dw$  
  $=$ $-2H$  

obtemos:
$\frac{dH}{dr}+\frac{2}{r}H+cK\rho E - j\rho = 0.$ (1.40)

Outra relação é obtida multiplicando-se (1.36) por $ \cos\theta$ e integrando sobre $ dw$:
$\frac{\partial}{\partial r} \int I \cos^2\theta dw -\frac{1}{r}\i... dw + K\rho \int I\cos\theta dw - \frac{j\rho}{4\pi}\int \cos\theta dw = 0.$
A integral no primeiro termo é igual a $ cP_R(r)$, e a do terceiro termo é igual a $ H(r)$. O último termo é nulo pois, $ dw=2\pi sen \theta d\theta$, e:

$\int \cos\theta dw = 2\pi\int_0^\pi \cos\theta sen \theta d\theta = \pi  sen^2\theta\bracevert_0^\pi = 0.$

No segundo termo, fazendo-se uma integração por partes, com $ dv=\frac{\partial I}{\partial\theta} d\theta$ e $ u=sen^2\theta\cos\theta$:
$\int \frac{\partial I}{\partial \theta} sen\theta \cos\theta 2\pi sen\theta d\theta$ = $2\pi\int \frac{\partial I}{\partial \theta} sen^2\theta \cos\theta d\theta$  
  = $2\pi I sen^2\theta\cos\theta\bracevert_0^\pi - \int_0^\pi I(2\cos^2\theta sen\theta-sen^3\theta)2\pi d\theta$  
  $=$ $-\int_0^\pi I(2\,\mathrm{sen}\,\theta-3\,\mathrm{sen}^3\theta)\,2\pi\, d\theta$  
  $=$ $-c 2E(r) + 3 \int_o^\pi I sen^2\theta sen\theta 2\pi d\theta$  
  $=$ $-c 2E(r) + 3\int_o^\pi I (1-cos^2\theta)dw$  
  $=$ $ -c\,2E(r) + 3cE(r) - 3\int_o^\pi I cos^2\theta dw$  
  $ =$ $ c\,E(r) - 3cP_R(r)$  

Logo:

$\frac{dP_R}{dr} + \frac{1}{r}(3P_R - E) + \frac{K\rho}{c}H = 0.$ (1.41)

Obtivemos somente duas equações com três funções, $ E$, $ H$ e $ P_R$. Esta insuficiência quase sempre é encontrada quando se substitui uma equação diferencial parcial, como a equação (1.36), por um conjunto de equações diferenciais ordinárias, com as equações (1.40) e (1.41). Para resolver o sistema, encontraremos uma relação adicional entre os momentos, usando a quase isotropia do campo de radiação no interior estelar.

Representemos o campo de radiação em qualquer ponto da estrela por uma série:

$ I = I_0 + I_1 \cos\theta + I_2 \cos^2\theta + \ldots = I_0 + \sum_{n=1}^\infty I_n\cos^n\theta,$ (1.42)

e determinemos a taxa de convergência desta série introduzindo-a na equação de equilíbrio radiativo (1.36):

$\frac{\partial I}{\partial r}\cos\theta -\frac{\partial I}{\partial \theta} \frac{sen\theta}{r} +K\rho I - \frac{1}{4\pi}j\rho = 0.$

\frac{\partial}{\partial r}\left(I_0 + I_n\cos^n\theta\right) +
\...
...rm{sen}^2\theta\right]+K\rho I_0 +K\rho I_n\cos^n\theta-
\frac{1}{4\pi}j\rho=0,$

$ \frac{\partial}{\partial r}\left(I_0 + I_n\cos^n\theta\right) +
\...
...1-cos^2\theta)\right]+K\rho I_0 +
K\rho I_n\cos^n\theta- \frac{1}{4\pi}j\rho=0,$

Como nossa expansão vale para qualquer $ \theta$, a igualdade precisa ser exata para cada potência de $ \cos\theta$:

\frac{dI_0}{dr}+K\rho I_0 - \frac{1}{4\pi}j\rho = 0,$ (1.43)

e obtemos a fórmula de recorrência, para $ n>0$:
\cos^n\theta\left(\frac{dI_{n-1}}{dr}+K\rho I_n\right) = 0;$
Para estimar a convergência, estimemos:
$\frac{dI_{n-1}}{dr}\simeq \frac{I_{n-1}}{R}$
obtemos
$\frac{I_{n-1}}{R}+K\rho I_n \simeq 0 \rightarrow \vert\frac{I_n}{I_{n-1}}\right\vert \simeq \frac{1}{K\rho R} \simeq 10^{-10},$
já que $ K\rho \simeq 1$ cm-1, e o raio do Sol é $ R_\odot=7 \times 10^{10}$ cm. Portanto, a série (1.42) converge rapidamente no interior estelar. Podemos portanto nos restringir aos dois primeiros termos da série (1.42); não podemos usar somente o primeiro termo porque teríamos caído novamente na condição de isotropia do campo de radiação, sem qualquer fluxo resultante. Esta condição é chamada de equilíbrio termodinâmico local, já que a diferença do equilíbrio termodinâmico é tão pequena. Isto é, localmente, as condições no interior das estrelas podem ser consideradas em equilíbrio termodinâmico. Neste caso, não precisamos levar em consideração as transições dos elementos, porque todas as populações dos níveis dependem de só um parâmetro, a temperatura cinética dos elétrons. Introduzindo os dois primeiros termos da série (1.42) nas equações (1.37) a (1.39) para os três momentos, obtemos:

$I=I_0+I_1\cos\theta,$


E = $\frac{1}{c}\int Idw$  
  = $\frac{1}{c}I_0\int dw+ \frac{2\pi}{c}I_1\int_0^\pi \cos\theta sen\theta d\theta$  
  = $\frac{4\pi}{c}I_0+ \frac{2\pi}{c}I_1\frac{sen^2\theta}{2}\bracevert_0^\pi$  
  $ =$ $ \frac{4\pi}{c}I_0,$  

já que

$ \frac{\mathrm{sen}^2\theta}{2}\Big\bracevert_0^\pi = 0,$


H = \int I\cos\theta dw  
  = $2\pi I_0\int_0^\pi sen\theta\cos\theta d\theta + 2\pi I_1 \int_0^\pi \cos^2\theta sen\theta d\theta$  

Como

$\int_0^\pi sen\theta\cos\theta d\theta = 0$

e

$\int_0^\pi \cos^2\theta sen\theta d\theta = - \frac{\cos^3\theta}{3}\bracevert_0^\pi = \frac{1}{3}+\frac{1}{3}=\frac{2}{3}$ (1.44)

obtemos:

$H=\frac{4\pi}{3}I_1$

Para a pressão de radiação (1.39):
P_R $ =$ $ \frac{1}{c}\int I\cos^2\theta dw$  
  = $\frac{2\pi}{c}I_0\int \cos^2\theta sen\theta d\theta +\frac{2\pi}{c}I_1\int \cos^3\theta sen\theta d\theta$  

Usando (1.44) e

$\int_0^\pi \cos^3\theta sen\theta d\theta = - \frac{\cos^4\theta}{4}\bracevert_0^\pi = 0$

obtemos:

$E=\frac{4\pi}{c}I_0,\quad H=\frac{4\pi}{3}I_1,\quad P_R=\frac{4\pi}{3c}I_0,$

de onde segue que:

$P_R = \frac{1}{3}E$ (1.45)

onde $ E$ é a energia do campo de radiação por unidade de volume. O erro relativo nesta relação será da ordem de $ I_2/I_0$, da ordem de $ 10^{-20}$, portanto com precisão suficiente. A equação (1.45) é a relação adicional que, junto com as relações (1.40) e (1.41), completam o conjunto de três equações para os três momentos.

Com a ajuda da equação (1.45), podemos agora simplificar as duas equações diferenciais (1.40) e (1.41). Primeiro, vamos substituir o fluxo por unidade de área, $ H$, pelo fluxo por toda a esfera, a luminosidade $ L_r$, usando a relação geométrica:

${L_r = 4\pi r^2 H.}$ (1.46)

Agora precisamos introduzir uma expressão para a emissividade $ j$. A emissão consiste de duas partes; a primeira contribuição vem da emissão térmica normal, que, de acordo com a lei de Kirchhoff, é proporcional ao coeficiente de absorção $ K$, à constante de Stefan-Boltzmann $ a$, à velocidade da luz $ c$, e à quarta potência da temperatura $ T$ do gás emitente. Isto porque, em equilíbrio térmico, podemos usar a relação (1.43):

$K\rho I_0 = \frac{j\rho}{4\pi} \longrightarrow j = 4\pi K I_0,$

e

$I_0 = \int_0^\infty B^{\mathrm{Planck}}_\nu d\nu = \frac{\sigma}{\pi}T^4.$

Como

$\sigma=\frac{c\cdot a}{4} \rightarrow I_0 = \frac{acT^4}{4\pi} \rightarrow j= KacT^4.$

A segunda contribuição vem dos processos nucleares, e é igual à produção de energia nuclear por unidade de massa, $ \varepsilon$. A expressão completa para a emissividade então é dada por:

$j= KacT^4 + \varepsilon.$ (1.47)

Finalmente, podemos eliminar $ \varepsilon$ com a ajuda da condição de equilíbrio radiativo (1.34) na equação (1.40):

$\frac{dH}{dr}+\frac{2}{r}H+cK\rho E - j\rho = 0$

$H=\frac{L}{4\pi r^2} \rightarrow \frac{d}{dr}\left(\frac{L}{4\pi r^2}\right)+\frac{2}{r}\left(\frac{L}{4\pi r^2}\right)+cK\rho E - j\rho = 0.$

Como

$\frac{d}{dr}\left(\frac{L}{4\pi r^2}\right)= \frac{1}{4\pi r^2}\frac{dL}{dr}-\frac{2L}{4\pi r^3},$

$\frac{1}{4\pi r^2}\frac{dL}{dr}-\frac{2L}{4\pi r^3} +\left(\frac{2L}{4\pi r^3}\right)+cK\rho E - j\rho = 0.$

Como, pela equação (1.34):

$\frac{dL}{dr}=4\pi r^2 \rho \varepsilon,$
Obtemos:
$ \rho \varepsilon + cK\rho E - j\rho=0,$
eliminando $ \rho$:
$E = \frac{j-\varepsilon}{cK}$
e usando a relação para a emissividade (1.47), obtemos:

$E=\frac{KacT^4}{cK} = aT^4.$ (1.48)

Substituindo-se (1.48) na relação entre a pressão de radiação e a densidade de energia (1.45):
$P_R = \frac{1}{3}E,$
obtemos uma forma simples para a pressão de radiação:
P_R = \frac{a}{3}T^4 (1.49)

Introduzindo-se (1.45)
$P_R = \frac{1}{3}E,$
na equação (1.41), que anula o segundo termo, obtemos:
$\frac{1}{3}\frac{dE}{dr} = - \frac{K\rho}{c}H.$
Como, da equação (1.48):
$\frac{dE}{dr}=\frac{d}{dr}\left(aT^4\right) = 4aT^3\frac{dT}{dr},$
obtemos:
${H_r = - \frac{4ac}{3}\frac{T^3}{K\rho}\frac{dT}{dr}}$ (1.50)

Substituindo-se a relação (1.46), obtemos finalmente:
${L_r = -4\pi r^2 \frac{4ac}{3}\frac{T^3}{K\rho}\frac{dT}{dr}.}$ (1.51)

Esta é a nossa quarta equação básica de equilíbrio. Ela fixa o valor do fluxo líquido de radiação como uma função do gradiente de temperatura e da opacidade dos gases através dos quais a radiação passa.


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Modificada em 12 Maio 1999